domingo, 1 de junho de 2014

LEITURAS QUE VALEM A PENA



Bala pra todo lado

Alguma coisa acontece na cabeça da presidente Dilma Roussef quando se cruzam ali dentro a avenida por onde passam os pensamentos que ela quer transmitir ao público e a avenida de onde eles saem para o mundo, depois de transformados em palavras. Ou, ao contrário, alguma coisa deveria acontecer nessa hora e não acontece. Seja por um motivo ou por outro, o fato é que a presidente, de uns tempos pra cá não está fazendo muito sentido, ou mesmo nenhum sentido, quando fala de improviso. Dilma, nessas ocasiões, imagina que está usando a linguagem do “grande público”. Mas a coisa não vai. Ela dá na chave, dá de novo, insiste, mas o motor não pega. O resultado final é que só vem conseguindo tornar-se cada vez mais incompreensível. Não é exagero. Tente, por exemplo, entender o seguinte: “quando você chega num banco, ele te pergunta, qual a garantia que você me dá? Eu vou pagar a vocês, para me aceitar emprestar um dinheiro pra você me pagar”.  Isso ai foi dito pela Dilma em Feira de Santana, no fim de abril, numa viagem de sua campanha eleitoral em que presenteou as prefeituras do interior da Bahia com tratores, escavadeiras e outras máquinas. Não é uma distorção do que disse, nem um boato – é o que consta nos registros oficiais do Palácio do Planalto. Não é tão pouco uma frase “fora do contexto” é fora da compreensão humana.

Pelo jeito, a presidente está tendo dificuldades nos circuitos cerebrais que traduzem as ideias em sons, os sons em palavras e as palavras em frases inteligíveis. As cordas vocais não estão obedecendo às ordens enviadas pelo cérebro – ou o cérebro está enviando ordens desconexas para aas cordas vocais. No caso de Feira de Santana, não conseguiu acertar nem a pontuação. Poderia ter sido, talvez, apenas um momento infeliz? Infelizmente não foi, com certeza; mas não foi um momento. Ao contrário, esse caos que Dilma constrói quando fala em público vem sendo um processo, ou pelo menos uma série de muita constância.  É só ver o que ela anda falando. “Esse receituário, que quer matar o doente, em vez de curar o paciente, ele é complicado”, disse numa recente viagem à África do sul, referindo-se às ideias de controlar a inflação através de redução do gasto público. “Isso está datado”. Como assim? Matar o doente, como ela diz não é “complicado”; é simplesmente estúpido. Também não é um tratamento “datado”, que já valeu mas hoje está obsoleto; matar gente nunca foi certo.

Ainda outro dia, numa conversa com jornalistas em Brasília, voltou às suas aulas de economia: “Aí vem uma pessoa e diz que a meta de inflação é 3%. Faz uma meta de 3%... Sabe o que significa? Desemprego lá pelos 8,2%. De onde vêm esses exatíssimos “0,2%” que ela acrescenta aos 8% quando seu governo não acerta sequer uma previsão para o dia seguinte? Dilma já disse que “a inflação foi uma conquista desses dez últimos anos de governo, do presidente Lula e do meu governo”. Supõe-se que tenha havido aí um desencontro entre o que pensou e o que falou – e o que pensou era mentira. Num seminário nos Estados Unidos, enfiou-se de repente no tema ônibus escolares e informou à plateia: “No Brasil não é assim conosco”. Estamos criando o ônibus escolar padronizado do início do século XXI”. Logo depois explicou ao investidor privado que “se quiser fazer o backroll, perfeitamente, ele faça o backroll, se quiser fazer o backbone, perfeitamente faça o backbone. Nós não queremos um mega real de banda larga, nós queremos o padrão, eu não vou dizer qual é o padrão”. Por que não? e essa história de backroll e backbone?

Dilma também foi capaz de fazer, em pleno exercício da Presidência da República, a seguinte oração: “Primeiro eu gostaria que tenho um grande respeito pelo E.T. de Varginha. Este respeito pelo E.T de Varginha está garantido”. A presidente estava em Varginha, em Minas Gerais, para visitar, acredite-se ou não, um “museu do E.T., no qual o governo federal aplicou cerca de 1 milhão de reais (Iniciado em 2007 o museu nunca ficou pronto, e jamais foi visitado por ninguém. Está abandonado desde 2010). Outro grande momento foi no Ceará agora em março. “Os bodes, eu não me lembro qual é o seu nome, mas teve um prefeito que me disse assim: ‘Eu sou o prefeito da região produtora da terra do bode’. Então nos vamos fazer um plano safra que atenda os bodes que são importantíssimos”. É bala pra todo lado.

“Pobre Dilma Rousseff”, escreveu a seu respeito o Financial Times. Parecia uma Angela Merkel, com eficiência alemã. Acabou com um desempenho dos irmãos Marx.

GUZZO. J. R. Bala pra todo lado. Revista VEJA. Edição 2374 – ano 47 – nº 21. 21 de maio de 2014. São Paulo – SP.

NOSSOS DESTAQUES:

Ela dá na chave, dá de novo, insiste, mas o motor não pega.
: “quando você chega num banco, ele te pergunta, qual a garantia que você me dá? Eu vou pagar a vocês, para me aceitar emprestar um dinheiro pra você me pagar”.
Não é tão pouco uma frase “fora do contexto” é fora da compreensão humana.
As cordas vocais não estão obedecendo às ordens enviadas pelo cérebro – ou o cérebro está enviando ordens desconexas para aas cordas vocais.

Comentários dos leitores da revista a respeito da matéria na edição seguinte:

Há alguns meses, quando vi a presidente Dilma discursar de improviso em vídeos do YouTube, estarrecido com a tempestade mental desconexa, logo pensei em sugerir ao meu cronista preferido, J. R. Guzzo, que comentasse tal epopeia. E não é que minha perplexidade também o atingiu em cheio (“Bala pra todo lado”, 21 de maio). LUIS SERGIO FRAGOMENI. Passo Fundo, RS.

J. R. Guzzo sempre acerta na mosca. Título brilhante e conteúdo que expressa com muita clareza o que pensamos e sentimos sobre os improvisos da presidente Dilma. Também, depois de tanto emprestar o ouvido às babaquices do “presidentro”, o poste entra em curto. JOSÉ MILTON DE OLIVEIRA. Brasília, DF.

Imagino a dificuldade que teria um tradutor simultâneo para a linguagem d sinais num discursos da presidente Dilma. Somente aquele que participou dos funerais do Mandela seria capaz de fazê-lo com facilidade. ROBERTO BORIS BOGUTCHI. Betim, MG.

Nos últimos tempos sombrios deste nosso Brasil, somente crônicas inteligentes como essa para fazer rir. Através de Guzzo vamos entendendo como é visto e interpretado o Brasil na mente da confusa presidente Dilma. Misericórdia! MYRIAM FERREIRA P. E SILVA. Espírito santo do Pinhal (SP), via Tablet.

Achei torpe a comparação dos discursos de Dilma Rousseff com os textos dos irmãos Marx. Os irmãos Marx não mereciam essa pecha. CORINTO LUIZ RIBEIRO. São Paulo (SP), via Tablet.



Revista VEJA. Seção Cartas. Edição 2375 – ano 48 – nº 22. 28 de maio de 2014. São Paulo – SP.

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