Bala pra todo lado
Alguma coisa acontece na cabeça da presidente Dilma
Roussef quando se cruzam ali dentro a avenida por onde passam os pensamentos
que ela quer transmitir ao público e a avenida de onde eles saem para o mundo,
depois de transformados em palavras. Ou, ao contrário, alguma coisa deveria
acontecer nessa hora e não acontece. Seja por um motivo ou por outro, o fato é
que a presidente, de uns tempos pra cá não está fazendo muito sentido, ou mesmo
nenhum sentido, quando fala de improviso. Dilma, nessas ocasiões, imagina que
está usando a linguagem do “grande público”. Mas a coisa não vai. Ela dá na
chave, dá de novo, insiste, mas o motor não pega. O resultado final é que só
vem conseguindo tornar-se cada vez mais incompreensível. Não é exagero. Tente,
por exemplo, entender o seguinte: “quando você chega num banco, ele te
pergunta, qual a garantia que você me dá? Eu vou pagar a vocês, para me aceitar
emprestar um dinheiro pra você me pagar”.
Isso ai foi dito pela Dilma em Feira de Santana, no fim de abril, numa
viagem de sua campanha eleitoral em que presenteou as prefeituras do interior
da Bahia com tratores, escavadeiras e outras máquinas. Não é uma distorção do
que disse, nem um boato – é o que consta nos registros oficiais do Palácio do
Planalto. Não é tão pouco uma frase “fora do contexto” é fora da compreensão
humana.
Pelo jeito, a presidente está tendo dificuldades nos
circuitos cerebrais que traduzem as ideias em sons, os sons em palavras e as
palavras em frases inteligíveis. As cordas vocais não estão obedecendo às
ordens enviadas pelo cérebro – ou o cérebro está enviando ordens desconexas
para aas cordas vocais. No caso de Feira de Santana, não conseguiu acertar nem
a pontuação. Poderia ter sido, talvez, apenas um momento infeliz? Infelizmente
não foi, com certeza; mas não foi um momento. Ao contrário, esse caos que Dilma
constrói quando fala em público vem sendo um processo, ou pelo menos uma série
de muita constância. É só ver o que ela
anda falando. “Esse receituário, que quer matar o doente, em vez de curar o
paciente, ele é complicado”, disse numa recente viagem à África do sul,
referindo-se às ideias de controlar a inflação através de redução do gasto
público. “Isso está datado”. Como assim? Matar o doente, como ela diz não é
“complicado”; é simplesmente estúpido. Também não é um tratamento “datado”, que
já valeu mas hoje está obsoleto; matar gente nunca foi certo.
Ainda outro dia, numa conversa com jornalistas em
Brasília, voltou às suas aulas de economia: “Aí vem uma pessoa e diz que a meta
de inflação é 3%. Faz uma meta de 3%... Sabe o que significa? Desemprego lá
pelos 8,2%. De onde vêm esses exatíssimos “0,2%” que ela acrescenta aos 8%
quando seu governo não acerta sequer uma previsão para o dia seguinte? Dilma já
disse que “a inflação foi uma conquista desses dez últimos anos de governo, do
presidente Lula e do meu governo”. Supõe-se que tenha havido aí um desencontro
entre o que pensou e o que falou – e o que pensou era mentira. Num seminário
nos Estados Unidos, enfiou-se de repente no tema ônibus escolares e informou à
plateia: “No Brasil não é assim conosco”. Estamos criando o ônibus escolar
padronizado do início do século XXI”. Logo depois explicou ao investidor
privado que “se quiser fazer o backroll, perfeitamente, ele faça o backroll, se
quiser fazer o backbone, perfeitamente faça o backbone. Nós não queremos um
mega real de banda larga, nós queremos o padrão, eu não vou dizer qual é o
padrão”. Por que não? e essa história de backroll e backbone?
Dilma também foi capaz de fazer, em pleno exercício da
Presidência da República, a seguinte oração: “Primeiro eu gostaria que tenho um
grande respeito pelo E.T. de Varginha. Este respeito pelo E.T de Varginha está
garantido”. A presidente estava em Varginha, em Minas Gerais, para visitar,
acredite-se ou não, um “museu do E.T., no qual o governo federal aplicou cerca
de 1 milhão de reais (Iniciado em 2007 o museu nunca ficou pronto, e jamais foi
visitado por ninguém. Está abandonado desde 2010). Outro grande momento foi no
Ceará agora em março. “Os bodes, eu não me lembro qual é o seu nome, mas teve
um prefeito que me disse assim: ‘Eu sou o prefeito da região produtora da terra
do bode’. Então nos vamos fazer um plano safra que atenda os bodes que são
importantíssimos”. É bala pra todo lado.
“Pobre Dilma Rousseff”, escreveu a seu respeito o
Financial Times. Parecia uma Angela Merkel, com eficiência alemã. Acabou com um
desempenho dos irmãos Marx.
GUZZO. J. R. Bala pra todo lado. Revista VEJA. Edição
2374 – ano 47 – nº 21. 21 de maio de 2014. São Paulo – SP.
NOSSOS DESTAQUES:
Ela dá na chave, dá de novo, insiste, mas o motor não
pega.
: “quando você chega num banco, ele te pergunta, qual a
garantia que você me dá? Eu vou pagar a vocês, para me aceitar emprestar um
dinheiro pra você me pagar”.
Não é tão pouco uma frase “fora do contexto” é fora da
compreensão humana.
As cordas vocais não estão obedecendo às ordens enviadas
pelo cérebro – ou o cérebro está enviando ordens desconexas para aas cordas
vocais.
Comentários dos leitores da revista a respeito da matéria na edição
seguinte:
Há alguns meses, quando vi a presidente Dilma discursar
de improviso em vídeos do YouTube, estarrecido com a tempestade mental
desconexa, logo pensei em sugerir ao meu cronista preferido, J. R. Guzzo, que
comentasse tal epopeia. E não é que minha perplexidade também o atingiu em
cheio (“Bala pra todo lado”, 21 de maio). LUIS SERGIO FRAGOMENI. Passo Fundo,
RS.
J. R. Guzzo sempre acerta na mosca. Título brilhante e
conteúdo que expressa com muita clareza o que pensamos e sentimos sobre os
improvisos da presidente Dilma. Também, depois de tanto emprestar o ouvido às
babaquices do “presidentro”, o poste entra em curto. JOSÉ MILTON DE OLIVEIRA.
Brasília, DF.
Imagino a dificuldade que teria um tradutor simultâneo
para a linguagem d sinais num discursos da presidente Dilma. Somente aquele que
participou dos funerais do Mandela seria capaz de fazê-lo com facilidade.
ROBERTO BORIS BOGUTCHI. Betim, MG.
Nos últimos tempos sombrios deste nosso Brasil, somente
crônicas inteligentes como essa para fazer rir. Através de Guzzo vamos
entendendo como é visto e interpretado o Brasil na mente da confusa presidente
Dilma. Misericórdia! MYRIAM FERREIRA P. E SILVA. Espírito santo do Pinhal (SP),
via Tablet.
Achei torpe a comparação dos discursos de Dilma Rousseff
com os textos dos irmãos Marx. Os irmãos Marx não mereciam essa pecha. CORINTO
LUIZ RIBEIRO. São Paulo (SP), via Tablet.
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