A
formação de um povo
Lya
Luftt
A formação de um povo pode ser
olhada sob vários aspectos. Aqui eu falo da formação cultural, informação,
crescimento, consciência dos direitos e deveres de quem vive numa democracia
verdadeira, que se interessa por um povo formado e informado. Aqui entra
primariamente a educação, que venho comentando sem conseguir esgotar, assunto inexaurível
na vida privada de todo cidadão e na existência geral de um povo. É preciso ter
em mente que, para os líderes, sejam quais forem, esse deve ser um instrumento
primordial em sua atividade.
A mim me preocupa a redução do nível
de formação e informação que nos oferecem. Escrevi muito sobre as cotas, com
que, em lugar de melhorar a educação pela Bse, subindo o nível do precário
ensino elementar, se reduz o nível do ensino superior, para que se adapte aos
que lá entram mais por cota do que por mérito e preparo, em lugar de ser, como
deveria, o inverso. Com isso, nosso ensino superior já tão carente e ruim, com
algumas gloriosas exceções, piora ainda mais. Vejam-se os dados assustadores da
reprovação, no exame da Ordem dos Advogados do Brasil, de candidatos saídos dos
cursos de direito. Os exames de igual caráter para egressos de cursos de
medicina ainda não apresentam resultado tão incrivelmente ruim, mas começam a
nos deixar alertas: pois esses médicos vão lidar com o nosso corpo, a nossa
vida. Estudantes de letras freqüentemente nem sabem ortografia, e mais: não
conseguem se expressar por escrito, não têm pensamento claro e seguro, não
foram habituados, desde cedo, a argumentar , a pensar, a analisar, a discernir,
a ler e a escrever.
Agora,pelo que leio, parece que vão
conseguir piorar ainda mais a situação pois a meninada só precisa se
alfabetizar no fim do 3º ano da escola elementar. Pergunto: o que estarão fazendo
nos dois primeiros anos da escola? Brincando? Gazeteando? A escola vai fingir
que está ensinando, preparando para a vida e a profissão? E os pais que se
interessam, o que podem esperar de tal ensino? Aos 8 anos, meninos e meninas já
deveriam estar escrevendo direito e lendo bastante – claro que em escolas
públicas de qualquer ponto do país onde os governos tivessem colocado
professores bem pagos, seguros e com boa autoestima; em escolas nas quais cada
sala de aula tenha uma prateleira com livros doados pelos respectivos governos,
municipal estadual ou federal, interessados na formação do seu povo.
Qualquer coisa diferente disso é
ilusão pura. Não resolve enviar centenas de jovens ao exterior ou trazer
estudantes estrangeiros para cá, se a base primeira do ensino é ruim como a
nossa, pois não adianta um telhado de luxo sobre paredes rachadas em casas construídas
sobre areia movediça. Como não adianta dar comida a quem precisaria logo a
seguir de estudo e trabalho que proporcionasse crescimento real, projetos e horizontes
em lugar da dependência de meninos que não conseguem largar o peito materno
mesmo passada a idade adequada.
O que vai acontecer? Com certeza vai
se abrir e aprofundar mais o fosso entre alunos saídos das escolas particulares
que ainda consigam manter um nível e objetivo de excelência e a imensa maioria
daqueles saídos de escolas públicas ou mesmo privadas em que o rebaixamento de
nível se instalar. Grandes e pequenas empresas e industrias carecem de mão de
obra especializada e boa, milhares de vagas oferecidas não são preenchidas porque
não há mão de obra preparada : imaginem se a alfabetização for concluída no fim
do 3º ano elementar, quando os alunos tiverem já oito anos, talvez mais, quando
e como serão preparados? Com que idade estarão prontos para um mercado de
trabalho cada vez mais exigente? Ou a exigência também vai cair e teremos mais edifícios
e outras obras mal construídas, serviços deixados a desejar, nossa excelência cada
vez mais reduzida?
Não sei se somos um povo cordial:
receio que sejamos desinteressados, mal orientados e conformados, achando que é
só isso que merecemos. Ou nem pensando no assunto.
LUFTT, Lya. A formação de um povo. Revista VEJA. Editora Abril. São Paulo. edição 2316.
ano 46. nº 15. 10 de abril de 2013.
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