Medíocres distraídos
Alienação é falta grave; omissão traz
burrice, futilidade é um mal. Por omissos votamos errados ou nem votamos, por
desinformados não conhecemos nossos direitos, por fúteis não queremos lucidez, não
sabemos da qualidade na escola do filho, da saúde de todo mundo, da segurança
em nossas ruas. O real crescimento do país e o bem da população passam ao largo
de nossos de nossos interesses. Certa vez escrevi um artigo que deu título a um
livro: “Pensar é transgredir”. Inevitavelmente me perguntam: “Transgredir o
quê?”. Transgredir a ordem da mediocridade, o deixa pra lá, o nem quero saber
nem me conte, eu nos dá a ilusão de sermos livres e leves como na beira do mar,
pensamento flutuando, isso é que é vida. Será? Penso que não, porque todos,
todos sem exceção, somos prejudicados pelo nosso próprio desinteresse.
Nosso país tem tamanhos problemas do que
não dá para fingir que está tudo bem, que omos os tais, que somos modelos para
os bobos europeus e americanos, que aqui está tudo funcionando bem, e que até
crescemos. Na realidade estamos parados, continuamos burros, doentes, desamparados,
ou muito menos burros e doentes e desamparados do que poderíamos estar. Já estivemos
em situação pior? Claro que sim. Já tivemos escravidão, a mortalidade infantil
era assustadora, os pobres sem assistência, nas ruas reinava a imundice, não
havia atendimento algum aos necessitados (hoje menos do que deveria, mas existe
). Então, de certa forma, muita coisa melhorou. Mas poderíamos estar melhores,
só que não parecemos estar interessados. Queremos, aceitamos. Pão e circo, a
Copa, a Olimpíada, a balada, o joguinho, o desconto, o prazo maior para nossas
dívidas, o não saber de nada sério: a gente não quer se incomodar. Ou pior: nós
temos sensação de que não adianta mesmo.
Na verdade temos medo de sair às ruas,
nossas casas e edifícios têm porteiro, guardas, alarme e medo. Nossas escolas
são fraquíssimas, as universidades péssimas, e o propósito parece ser o de isso
ainda piore. Pois, em lugar de estimularmos os professores e melhorarmos imensamente
a qualidade de ensino de nossas crianças, baixamos o nível das universidades,
forçando por vários recursos a entrada dos mais despreparados, que naturalmente
vão sofrer ao cair na realidade. Mas a esses mais sem base, porque fizeram uma
escola péssima ou ruim, dizem que terão tutores no curo superior para poder se
equilibrar e participar com todos. Porque nós não lhes demos condições positivas de fazer uma
boa escola, pra que pudessem chegar ao ensino superior ela própria capacidade,
queremos band-aids ineficientes para fingir que está tudo bem.
Não se deve baixar o nível em coisa
alguma, mas elevar o nível em tudo. Todos, de qualquer origem, cor, nível
cultural econômico ou ambiente familiar,
têm direito à excelência que não lhe oferecemos, num dos maiores enganos de
nossa história. Não precisamos viver sob o melancólico da mediocridade que
parece fácil e inocente, mas trava nossas capacidades, abafa nossa lucidez, e nos
deixa tão agradavelmente distraídos.
Fonte: LUFT, Lia.
Medíocres distraídos. Revista VEJA. edição 2298. ano 45. nº 49. 05 de
dezembro de 2012. pag. 26. Editora Abril. São Paulo.
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