sábado, 19 de abril de 2014

LEITURAS QUE VALEM A PENA



A casa não pode cair

“PROJETO DO PT?” QUE DIABO SERIA ISSO? NADA MAIS SIMPLES: O PROJETO DO PT É NÃO TER PROJETO NENHUM. EM VEZ DE TRABALHAR PARA CONSTRUIR UM BRASIL MAIS JUSTO, CONFORTÁVEL E PROMISSOR PARA OS BRASILEIROS, TODO O ESFORÇO DO PARTIDO SE CONCENTRA EM NÃO LARGAR O OSSO DO GOVERNO.

Todo brasileiro de olhos abertos para o que está acontecendo no país em geral, e na sua própria vida em particular, sabe muito bem que a coisa está preta. Há mil e uma razões para isso, como se pode verificar todos os dias pelo noticiário; seria pretensioso, além de inútil, tentar fazer uma lista de todas. Basta dizer, para encurtar o assunto, que, segundo as últimas pesquisas de opinião, mais de 70% da população acha que assim não vai, e quer mudanças na ação do governo como um todo. Será que os brasileiros, finalmente de que estão sendo dirigidos por um dos governos mais incompetentes que já tiveram de aguentar – ou, possivelmente, o mais incompetente de todos? Mais interessante ainda: a propaganda descomunal que o poder público soca todos os dias em cima da população e o uso sistemático da mentira talvez já não estejam dando o resultado os resultados que costumam dar. A presidente Dilma Rousseff, por exemplo, ameaça combater a corrupção na Petrobras, mas diz que os “inimigos da empresa” são os que sugeriram mudar seu nome para “Petrobrax”, cerca de quinze anos atrás, com a intenção secreta de liquidá-la – e, ao mesmo tempo, faz tudo para impedir que se investigue a roubalheira pública de hoje. Quanta gente acredita num desvario desses? Tudo bem. O Brasil está em petição de miséria, e o presente já é um caso perdido. A pergunta, agora, é a seguinte: as coisas vão mudar para melhor depois da eleição presidencial de outubro ou vão ficar piores ainda?

Vão ficar piores, com certeza, se o Brasil não sair da armadilha que o governo, o PT e o ex-presidente Lula montaram: eles têm de ganhar todas, pois não podem mais admitir a alternância de poder. Se admitirem, a casa cai, e a casa não pode cair – pois os que mandam no país não conseguem mais viver fora do governo. Manter-se no poder todo mundo quer, nas melhores democracias do mundo. O problema atual do Brasil é que o PT não apenas quer continuar: precisa continuar, pois, se cair, o mundo de privilégio que construiu para si próprio nos últimos onze anos vai direto para o espaço. É essa ansiedade, e nada mais, que acaba de trazer Lula para dentro da campanha eleitoral – se Dilma continuar caindo nas pesquisas, é pouco provável que ele e seu partido digam “que pena” e fiquem só olhando o desastre acontecer na sua frente. Aí, para não perderem a situação de proprietários privados do Brasil que conseguiram obter de 2003 para cá, tudo passa a valer: a presidente pode ser desembarcada sem cerimônia do seu posto de candidata à reeleição, e Lula entraria na disputa para salvar a pela de todos. Como explicar essa deposição de Dilma para o público? Inventa-se uma história qualquer – esse tipo de coisa jamais foi problema para Lula, um artista em escapar das situações mais sinistras sem explicar nada. A companheirada por sua vez, dirá que lamenta – mas que a volta de Lula é essencial para salvar o “projeto do PT, caso ele esteja ameaçado de “destruição” pela “direita”, pela “grande mídia”, pelos que “não se conformam” com a vitória da classe operária etc. se a oposição ganhar, dizem, será a “volta da ditadura” – e não é possível permitir tal crime.

“Projeto do PT?” Que diabo seria isso? Nada mais simples: o projeto do PT é não ter projeto nenhum. Em vez de trabalhar para construir um Brasil mais justo, confortável e promissor para os brasileiros, todo o esforço do partido se concentra em não largar o osso do governo. Não se trata de desejo: é necessidade. O que muda, se saírem, não é nada que tenha a ver com ideias, princípios ou valores; o que muda, no duro, é a sua vida material. Vão-se embora os 20.000 altos empregos que têm no governo federal. Vão-se embora as oportunidades ilimitadas de negócios com o poder público. Vão-se embora as Passadenas, os mensalões, a compra de certas empresas de videogames por empreiteiras de obras, na base dos 10 milhões de reais. Ficam as fortunas criadas nos porões da Petrobrás. Ficam as rosemarys, ou youssefs e milhares de outros com eles. Ficam o caviar da Roseana Sarney, os jatinhos, os plano médicos milionários. Ficam a diárias de hotel a 8.000 euros. Fica um STF obediente. Mais que tudo, fica garantida a impunidade.

O PT, como observou há pouco o ex-deputado Fernando Gabeira, é um partido que se baseia totalmente na obediência; não vale nada, ali, mérito, talento ou competição sadia. A única maneira de súber é obedecendo a Lula – e para isso  é indispensável que Lula, ou alguns de seus postes, esteja no governo.

GUZZO, J. R. A casa não pode cair. Revista VEJA. Edição 2370. Ano 47. nº17. Editora Abril. São Paulo – SP.


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