domingo, 10 de junho de 2012

MARGARIDA SCHIVAZAPPA: Segunda temporada da peça Acorde Margarida



A segunda temporada da peça Acorde Margarida, peça de autoria do premiado autor paraense Carlos Correia Santos, com direção de Hudson Andrade, encenada no Teatro Cláudio Barradas, de 7 a 10 de junho, constitui-se mais uma vez sucesso de público e  crítica.

A peça, livremente inspirada na obra de nossa autoria, Margarida Schivazappa: A primeira dama do teatro paraense, coloca mais um pouco de luz no trabalho daquela por muitos considerada a grande Diva do teatro paraense é mostrada pela revista PARA+, edição de nº 123, revelando ao grande público um pouco mais sobre legado da notável Mestra.

A pesquisa está em sua fase final de editoração gráfica, com lançamento que deve coincidir com a reabertura do teatro Margarida Schivazappa, que se encontra fechado para reforma.

LEITURAS QUE VALEM A PENA


Gente de 1932

            No dia 24 de fevereiro de 1932, o poeta Mário de Andrade aderiu ao plãoque-plãoque. A expressão é dele. Escreveu em seu modo modernista: “Toda gente da rua se dirigia para o comício e não se via uma cara só. O que se via era aquele ruminante ondular de ombros, e os passos batebatendo plãoque-plãoque, no revestimento caro da rua plãoque-plãoque, plãoque-plãoque”, a cidade de são Paulo estava tomada de uma febre. Sucediam-se os comícios contra o regime de Getúlio Vargas. No dia 9 de julho, as manifestações desbocaram numa guerra. São Paulo pegou em armas e, nos quase três meses seguintes, lutou contra o resto do Brasil.

            A chamada Revolução de 1932 completa oitenta anos no mês que vem. Se a ideia era não mais que a reconstitucionalização do país, como apregoavam as lideranças paulistas, ou a reação de uma oligarquia que se imaginava ameaçada, é assuntos para outros e mais doutos espaços. Neste, mais modesto, vai interessar o lado em que estavam certos personagens, e o comportamento que tiveram. Entre os poetas, se são Paulo tinha Mário de Andrade, a do resto do Brasil tinha Carlos Drummond de Andrade. Como assessor principal do então secretário de justiça de Minas Gerais, Gustavo Capanema, Drummond esteve, em agosto, em visita ao túnel ferroviário da Mantiqueira – local de uma longa batalha, na divisa entre Minas e São Paulo. Drummond redigiu texto à respeito, e leu-o no rádio: “Eu estive diante do Túnel e vi o soldado lutando. Ele não me viu porque estava lutando. (...) Mineiros estão lutando lá longe, nas alturas, aonde não chegam boatos nem se insinuam as vacilações, (...) vamos ser, como esse soldado, diretos e positivos”.

Em posições de destaque, no conflito, temos uma curiosa concentração de ancestrais de futuros presidentes da República. Um dos principais chefes militares do lado rebelde era o Coronel Euclides Figueiredo, pai do futuro presidente João Figueiredo. Euclides, como o filho, era carioca, mas alinhou-se do lado paulista. Do mesmo lado estava Lindolfo Collor, avô do futuro presidente Fernando Collor de Melo. Lindolfo era gaucho e, com um grupo de outros dissidentes do Rio Grande do Sul, lutou em vão para alinhá-lo com São Paulo. Do lado oposto o general Augusto Inácio do Espírito Santo Cardoso, tio-avô do futuro presidente Fernando Henrique Cardoso, era ministro da guerra de Getúlio. Fernando Henrique nasceu no Rio de Janeiro, mas cresceu e fez carreira em São Paulo. Já o tio-avô combatia São Paulo. A diversidade de origens e posições no conflito reflete a barafunda própria das guerras civis.

Entre as figuras de menor destaque no episódio vamos encontrar, lutando entre as forças governistas, o capitão Dilermando de Assis. No Exército ele foi apenas mais um, mas na história do Brasil já assegurara seu lugar, como o homem que matou Euclides da Cunha. Em seu excelente livro 11932 – A Guerra Civil Brasileira, o brasilianista Stanley Hilton registra uma declaração de Dilermando a respeito da crueldade das “requisições” de bens particulares em apoio ao esforço de guerra: “As requisições transformaram-se em verdadeiro saque oficializado, documentado, porque o governo em geral não erra nas (sic) paga”. Era a reincidência no crime. Não contente em matar o autor de Os Sertões, investia agora contra a língua portuguesa, um dos grandes amores do escritor.

            Outro personagem menor no conflito foi um oficial de 23 anos, José Vicente de Faria Lima. Esse oficial, destinado a uma carreira na Força Aérea em que chegaria a brigadeiro, não é outro senão o operoso prefeito de São Paulo, que entre outras obras, rasgou a majestosa avenida que leva seu nome. Em 1932, o carioca Faria Lima estava engajado em missões de bombardeio da aviação governista contra posições paulistas. Em terra, por falar em aviões, encontrava-se Alberto Santos Dumont, o Pai da Aviação. Com a saúde física e mental abalada, fora alojado pela família numa casa alugada no então sossegado balneário de Guarujá. No dia 14 de julho, ele redigiu um apelo pela concórdia entre os litigantes. O trecho em que disse “somente pela lei magna” os problemas nacionais podem ser resolvidos foi interpretado como apoio à causa paulista. Pode ser. No dia 23 de julho, burlando a vigilância do sobrinho que o acompanhava, refugiou-se no banheiro e enforcou-se com uma gravata. Dizem que não aguentou o ronco dos aviões que rondavam o Porto de Santos, ali perto. Pode ser.

DE TOLEDO, Roberto Pompeu. Gente de 1932. Revista VEJA. Edição 2273 – ano 45 – nº 24. Editora Abril. São Paulo – SP. 13 de junho de 2012.

           

sábado, 9 de junho de 2012

Um lembrete para Lula — “Quos volunt di perdere dementant prius”


Nem sempre concordo com o jornalista e ex-deputado Fernando Gabeira, mas admito que já há muito ele tem se dedicado a temas que considero pertinentes. E tem se posicionado sobre eles com a devida responsabilidade. Mais: Gabeira fez parte da geração que escolheu o caminho da ditadura comunista para “corrigir o Brasil”. Não o aplaudo por seu suposto mea-culpa — esse nunca foi o ponto. Eu o aplaudo por sua adesão realmente sincera, sempre comprovada, aos valores universais da democracia. Infelizmente, não é o padrão. Muitos dos que são hoje beneficiários da democracia a tem como mero valor tático.
No Estadão de hoje, ele escreve um excelente artigo intitulado “Lula e nosso futuro comum”. Correto da primeira à última linha, que remete a um ditado latino, sem autoria: “Os deuses primeiro enlouquecem aqueles a quem querem destruir”, ou em latim: “Quos volunt di perdere dementant prius”. A citação no singular é mais conhecida: “Quem vult deus perdere dementat prius” — “Deus primeiro enlouquece aquele a quem quer destruir”. O problema de “deus”, no singular, é que a frase parece remeter ao Deus único, este nosso (ou meu, hehe), não àqueles vários do paganismo, que viviam atazanando os homens. Mas isso também tem explicação. Uma das variantes do ditado era com Júpiter: “Quem vult Jupiter…”. E Júpiter, em certo sentido, era “o deus” porque senhor do Olimpo.

A frase é muitas vezes atribuída a Eurípides, autor de coisas absolutamente notáveis. Não escreveu essa, mas certamente a subscreveria. Ao artigo de Gabeira.

O ponto de partida é uma frase de Lula: “Não deixarei que um tucano assuma de novo a Presidência”. Lembro, no entanto, que não sou de pegar no pé de Lula por suas frases. Cheguei a propor um “habeas língua” para o então presidente na sua fase mais punk, quando disse que a mãe nasceu analfabeta e que se a Terra fosse quadrada a poluição não circularia pelo mundo. Lembro também que hoje concordo com o filósofo americano Richard Rorty: não há nada de particular que os intelectuais saibam e todo mundo não saiba. Refiro-me à ilusão de conhecer as leis da História, deter segredos profundos sobre o que dinamiza seu curso e dominar em detalhes os cenários futuros da humanidade.


Nesse sentido, a eleição de Lula, um homem do povo, sem educação formal superior, não correspondeu a essa constatação moderna de Rorty. Isso porque, apesar de sua simplicidade, Lula encarnava a classe salvadora no sonho dos intelectuais, via luta de classes como dínamo da História humana, e traçava o mesmo futuro paradisíaco para o socialismo. Na verdade, Lula falava a linguagem dos intelectuais. Seus comentários que despertaram risos e ironias no passado eram defendidos pelos intelectuais com o argumento de que, apesar de pequenos enganos, Lula era rigorosamente fundamentado na questão essencial: o rumo da História humana.
A verdade é que a chegada do PT ao poder o consagrou como um partido social-democrata e, ironicamente, a social-democracia foi o mais poderoso instrumento do capitalismo para neutralizar os comunistas no movimento operário. São mudanças de rumo que não incomodam muito quando se chega ao poder. O capitalismo é substituído pelas elites e o proletariado salvador, pelos consumidores das classes C e D. Os sindicalistas vão ao paraíso de acordo com os critérios da cultura nacional, consagrados pela canção: É necessário uma viração pro Nestor,/ que está vivendo em grande dificuldade.

Se usarmos a fórmula tradicional para atenuar o discurso de Lula, diremos que o ex-presidente queria expressar, com sua frase sobre um tucano na Presidência, que faria todo o esforço para a vitória do seu partido e para esclarecer os eleitores sobre a inconveniência de eleger o adversário. Lula sabe que ninguém manda no processo eleitoral. São os eleitores que decidem se alguém ocupará a Presidência. Foi só um rápido surto autoritário, talvez estimulado pelo tom de programa de TV, luzes e uma plateia receptiva.
Se o candidato tucano for, como tudo indica, o senador Aécio Neves, também eu, em trincheira diferente da de Lula, farei todo o esforço para que o tucano não chegue à Presidência. Aécio foi um dos artífices na batalha para poupar Sérgio Cabral da CPI e confirmou, com essa manobra, a suspeita de que não é muito diferente do PT no que diz respeito aos critérios de alianças e ao uso da corrupção dos aliados para fortalecer seu projeto de poder. Tudo o que se pode fazer, porém, é tornar clara a situação para o eleitor, pois só ele, em sua soberania, vai decidir quem será o eleito.

Na verdade, essa batalha será travada também na esfera da economia. Vivemos um momento singular na História do mundo. A crise mundial opõe defensores da austeridade, como Angela Merkel, e os que defendem mais gastos e investimentos, dentro da visão keynesiana de que a austeridade deve ser implantada no auge do crescimento, e não durante o período depressivo. O PT dirigiu o País num período de crescimento e muitos gastos, não tanto no investimento, mas no consumo. É possível que esse modelo de estímulo à economia tenha alcançado seus limites.
Muito possivelmente, ainda, o curso dos acontecimentos não dependerá tanto da vontade de Lula nem dos nossos esforços individuais. A democracia prevê alternância no poder. E a análise de como essa alternância se dá na prática revela, em muitos casos, uma gangorra entre austeridade e gastança. De modo geral, a crise derrota um governo austero e coloca seu oposto no poder, como na França. Mas às vezes derrota um governo social-democrata e elege seu adversário direto, como na Espanha.
Pode ser que o esgotamento do modelo de estímulo ao consumo abra espaço para discurso de reformas fiscal e trabalhista, de foco em educação e infraestrutura, enfim, de uma fase de austeridade. E não é totalmente impossível que um partido de oposição chegue ao governo. Restaria ao PT, nesse caso, um grande consolo: ao cabo de um período de austeridade, o partido teria grandes chances de voltar ao poder com seu discurso do “conosco ninguém pode”, do “vamos que vamos”, “nunca antes neste país”… Não estou afirmando que esse mecanismo vai prevalecer, é uma das possibilidades no horizonte. A outra é o próprio PT assumir algumas das diretivas de austeridade e conduzir o processo sem necessariamente deixar o poder.

Por mais que a crise seja aguda, o apelo ao consumo e à manutenção de intensas políticas sociais é muito forte na imaginação popular. O discurso de austeridade só tem espaço eleitoral quando as coisas parecem ter degringolado.

O futuro está aberto e não será definido pela exclusiva vontade de Lula. Com todo o respeito ao Ratinho e sua plateia, o povo brasileiro é mais diverso e complexo. Se é verdade que a História não se define nas academias intelectuais, isso não significa que ela tenha passado a ser resolvida nos programas de auditório.

No script do socialismo real o proletariado foi substituído pelo partido, o partido pelo comitê central e o comitê central por um só homem. No script da social-democracia tropical Lula substituiu o proletariado, o partido, o comitê central e o próprio povo brasileiro ao dizer que não deixará um tucano voltar à Presidência. Se avaliar com tranquilidade o que disse, Lula vai perceber que sua frase não passa de uma bravata.

O que faz um homem tão popular e bem-sucedido bravatear no Programa do Ratinho é um mistério da mente humana que não tenho condições de decifrar. A única pista que me vem à cabeça está na sabedoria grega: os deuses primeiro enlouquecem aqueles a quem querem destruir.

AZEVEDO, Reinaldo. Um lembrete para Lula — “Quos volunt di perdere dementant prius” Revista VEJA. edição 2273. ano 45. nº 24, Editora abril. São Paulo, 6.06.2012.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

VISEU: O que esperamos de nossos candidatos


Fala-se muito na ascensão das classes menos favorecidas, formando uma nova “classe média”, realizada por degraus que levam a outro patamar social e econômico (cultural não ouço falar). Em teoria seria um grande passo para reduzir a catastrófica desigualdade que aqui reina. Porém receio que, do modo como está se realizando, seja uma ilusão que pode acabar em sérios problemas para quem mereceria coisa melhor. Todos desejam uma vida digna para os despossuídos, boa escolaridade para os iletrados, serviços públicos ótimos para a população inteira, isto é, saúde, educação, transporte, energia elétrica, segurança, saneamento (água e esgoto), agricultura com assistência técnica, e tudo o mais que precisam cidadãos decentes.

Mas pouco se fala na construção de uma vida mais segura. Pois tudo é uma construção: vida pessoal, a profissão, os ganhos, as relações de amor e amizade, a família, a velhice (naturalmente tudo isso sujeito a fatalidades como doenças e outras que ninguém controla). Mas, mesmo em tempos da fatalidade, ter um pouco de economia, ter uma casinha, ter um diploma, ter objetivos certamente ajuda a enfrentar seja o que for. Podemos ser derrotados, mas não estaremos jogados na cova dos leões do destino, totalmente desarmados. Mas corremos atrás de tanta conversa vã, não protegidos, mas embaixo de peneiras com grandes furos, que só um cego ou um grande tolo não vê.

A mais forte raiz de tantos dos nossos males é a falta de informação e orientação, isto é, de educação. E o melhor remédio é investir fortemente e abundantemente, decididamente, em educação: impossível repetir isso em demasia. Não tenho ilusão de que algo mude, mas deixo aqui meu solitário (e antiquado) apelo.

Então ao pensarmos o que queremos para o nosso futuro é importante avaliar quem está se apresentando para defender nossos interesses. São merecedores de nossa confiança?

Texto baseado em:
LUFT, Lya. Degraus de ilusão. Revista VEJA, edição 2272. ano 45. nº 23. São Paulo. 6 de junho de 2012.