Gente de 1932
No
dia 24 de fevereiro de 1932, o poeta Mário de Andrade aderiu ao
plãoque-plãoque. A expressão é dele. Escreveu em seu modo modernista: “Toda
gente da rua se dirigia para o comício e não se via uma cara só. O que se via
era aquele ruminante ondular de ombros, e os passos batebatendo
plãoque-plãoque, no revestimento caro da rua plãoque-plãoque, plãoque-plãoque”,
a cidade de são Paulo estava tomada de uma febre. Sucediam-se os comícios
contra o regime de Getúlio Vargas. No dia 9 de julho, as manifestações
desbocaram numa guerra. São Paulo pegou em armas e, nos quase três meses
seguintes, lutou contra o resto do Brasil.
A
chamada Revolução de 1932 completa oitenta anos no mês que vem. Se a ideia era
não mais que a reconstitucionalização do país, como apregoavam as lideranças
paulistas, ou a reação de uma oligarquia que se imaginava ameaçada, é assuntos
para outros e mais doutos espaços. Neste, mais modesto, vai interessar o lado
em que estavam certos personagens, e o comportamento que tiveram. Entre os
poetas, se são Paulo tinha Mário de Andrade, a do resto do Brasil tinha Carlos
Drummond de Andrade. Como assessor principal do então secretário de justiça de
Minas Gerais, Gustavo Capanema, Drummond esteve, em agosto, em visita ao túnel
ferroviário da Mantiqueira – local de uma longa batalha, na divisa entre Minas
e São Paulo. Drummond redigiu texto à respeito, e leu-o no rádio: “Eu estive
diante do Túnel e vi o soldado lutando. Ele não me viu porque estava lutando.
(...) Mineiros estão lutando lá longe, nas alturas, aonde não chegam boatos nem
se insinuam as vacilações, (...) vamos ser, como esse soldado, diretos e
positivos”.
Em posições
de destaque, no conflito, temos uma curiosa concentração de ancestrais de
futuros presidentes da República. Um dos principais chefes militares do lado
rebelde era o Coronel Euclides Figueiredo, pai do futuro presidente João
Figueiredo. Euclides, como o filho, era carioca, mas alinhou-se do lado
paulista. Do mesmo lado estava Lindolfo Collor, avô do futuro presidente
Fernando Collor de Melo. Lindolfo era gaucho e, com um grupo de outros dissidentes
do Rio Grande do Sul, lutou em vão para alinhá-lo com São Paulo. Do lado oposto
o general Augusto Inácio do Espírito Santo Cardoso, tio-avô do futuro
presidente Fernando Henrique Cardoso, era ministro da guerra de Getúlio. Fernando
Henrique nasceu no Rio de Janeiro, mas cresceu e fez carreira em São Paulo. Já o
tio-avô combatia São Paulo. A diversidade de origens e posições no conflito
reflete a barafunda própria das guerras civis.
Entre as
figuras de menor destaque no episódio vamos encontrar, lutando entre as forças
governistas, o capitão Dilermando de Assis. No Exército ele foi apenas mais um,
mas na história do Brasil já assegurara seu lugar, como o homem que matou Euclides
da Cunha. Em seu excelente livro 11932 – A Guerra Civil Brasileira, o brasilianista
Stanley Hilton registra uma declaração de Dilermando a respeito da crueldade
das “requisições” de bens particulares em apoio ao esforço de guerra: “As requisições
transformaram-se em verdadeiro saque oficializado, documentado, porque o governo
em geral não erra nas (sic) paga”. Era a reincidência no crime. Não contente em
matar o autor de Os Sertões, investia agora contra a língua portuguesa, um dos
grandes amores do escritor.
Outro
personagem menor no conflito foi um oficial de 23 anos, José Vicente de Faria
Lima. Esse oficial, destinado a uma carreira na Força Aérea em que chegaria a
brigadeiro, não é outro senão o operoso prefeito de São Paulo, que entre outras
obras, rasgou a majestosa avenida que leva seu nome. Em 1932, o carioca Faria
Lima estava engajado em missões de bombardeio da aviação governista contra
posições paulistas. Em terra, por falar em aviões, encontrava-se Alberto Santos
Dumont, o Pai da Aviação. Com a saúde física e mental abalada, fora alojado pela
família numa casa alugada no então sossegado balneário de Guarujá. No dia 14 de
julho, ele redigiu um apelo pela concórdia entre os litigantes. O trecho em que
disse “somente pela lei magna” os problemas nacionais podem ser resolvidos foi
interpretado como apoio à causa paulista. Pode ser. No dia 23 de julho,
burlando a vigilância do sobrinho que o acompanhava, refugiou-se no banheiro e
enforcou-se com uma gravata. Dizem que não aguentou o ronco dos aviões que
rondavam o Porto de Santos, ali perto. Pode ser.
DE TOLEDO, Roberto Pompeu.
Gente de 1932. Revista VEJA. Edição 2273 – ano 45 – nº 24. Editora Abril. São Paulo – SP. 13 de
junho de 2012.
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