sexta-feira, 30 de março de 2012

A CIDADE E O VOTO


          A cidade é a das maiores invenções humanas. Elas estão ai há tanto tempo que até parecem ter nascido por si sós, brotadas da superfície do planeta como acidentes geográficos. Mas são invenções surgidas no momento da aventura humana em que se conclui pelas vantagens de viver junto, com relação à vida isolada no campo – mais segurança, mais facilidades de comércio e de aprendizado, mais possibilidades de lazeres e prazeres.
          Nas cidades antigas do ocidente nasceram os fóruns e nas do oriente os mercados. Diferem em que os primeiros apontam mais para as discussões dos assuntos públicos e privados e os segundos mais para as relações econômicas, mas são instituições assentadas no mesmo princípio: os benefícios da troca seja de ideias, seja de mercadorias. A cidade, sendo o locus por excelência da troca – a troca afetiva inclusive. Cidade é artigo precioso demais para, em eleições municipais, suas especificidades serem esquecidas em favor de disputas e outros assuntos.

           Prefeito é cargo recente no ordenamento político-administrativo brasileiro. Salvo por breve hiato, no período regencial, só vai surgir com a República. Durante os quatro séculos anteriores, as cidades eram regidas pela Câmara Municipal. Na colônia, as câmaras eram os únicos organismos cujos integrantes eram eleitos. As eleições eram frequentemente fraudadas, ocasionavam sangrentas disputas e delas participavam poucos eleitores. Mesmo assim, proporcionavam um espaço de democracia. Daí decorre que a figura do vereador pode ostentar nobre origem. É o primeiro político brasileiro, e a ele cabia aquilo que etimologicamente indica a palavra “político”: cuidar da “polis”. No entanto, nenhuma instituição sofre hoje maior desprestígio do que as câmaras de vereadores . são locais que a desatenção da imprensa e dos órgãos fiscalizadores torna ideais para a prática da corrupção e da fisiologia. O problema começa no eleitor, que mal sabe em quem está votando e no dia seguinte já esqueceu em quem votou. Recomendação: que o eleitor grude o nome de seu escolhido na geladeira ou no espelho do banheiro. E que o conserve grudado até a eleição seguinte.  

           Vem ai a campanha eleitoral, e com ela a marcha dos políticos sobre nossas vidas. Fala-se em reforma política, mas nunca se inclui nela a reforma uma forma mais educativa da propaganda política. Como se apresenta é um espaço de mistificação. Bonitas, cenas embaladas  por um comovente fundo musical. E por fim o candidato, produzido vazio de essência, muitas vezes sem ter a menor noção de qual seja o papel de um vereador no âmbito de seu município. Sugestão: transformar o programa, de espaço de propaganda em espaço de informação. A propaganda se limitaria às pequenas inserções ao longo do dia.

          Nas cidades pequenas onde não fosse possível se utilizar o horário político gratuito, que fossem realizados debates e com informações produzidas por entidades independentes da sociedade civil e supervisionados pela Justiça Eleitoral. Mas as vezes, as grandes vilas de um município ficam distante da sede onde se estabelecem ao Justiça Eleitoral e a representação do Ministério Público. Existe ainda uma questão? Se queremos eleitores conscientes e candidatos responsáveis, seria um avanço. A questão é: queremos? Ou melhor: querem aqueles que hoje tiram proveito, ou imaginam tirar proveito da necessidade em que vive nosso cidadão, necessidade essa muitas mantidas pelos maus políticos, pelos políticos incompetentes, que acreditam que fazer política é pagar uma conta de luz, é aviar um receita médica. O papel do vereador vai muito mais além disso. É chegada a hora de mudar esse quadro, vamos respeitar o nosso voto e procurar ter orgulho de ter dado esse nosso voto a um vereador que realmente faça por merecer nossa confiança.

Adaptação de texto:
DE TOLEDO, Roberto Pompeu – Eleição e cidades. Revista VEJA. Edição 2259. Ano 45. Nº 10, de 7 de março de 2012. São Paulo – SP.

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