domingo, 17 de outubro de 2010

ELEIÇÕES 2010 - Para o povo de Fernandes Belo refletir.

Os dias depois
Lya Lutf

O dia depois, o day after. Os dias depois. A Senhora Política passeia pelo país com os seus véus agitados ao vento da alienação ou da convicção, semeando desalento ou alegria, rosto coberto pela cabeleira, numa das mãos uma caixinha de enigmas que ela mesma representa. Passado o primeiro turno das eleições misturam-se no povo nos candidatos, vencedores e derrotados, euforia, desejo, duvidas e receios. Frustração e inconformidade, em alguns casos: políticos que realmente trabalham pelo seu Estado, sua gente, sua região, deram o melhor de si, realizaram o que não se fazia em décadas e em troca... nada. Mas a gente sabia que em política o reconhecimento funciona muito pouco. Os eleitores vitoriosos com os candidatos de sua predileção e confiança (naturalmente se imagina que não com voto vendido e comprado) agora celebram. Conseguiram colocar nos postos chaves pessoas em quem realmente confiam, a quem entregam parte de seu destino, de quem sabem com certeza que são honradas, interessadas, dedicadas a algo mais do que poder e vantagens. Felizardos os que conseguiram isso nessas eleições. Os eleitores derrotados remoem, talvez, seu esforço débil em favor de seus escolhidos, elaboram dúvidas quanto ao futuro, tentam lidar com a melancolia e a descrença.talvez susto e receios. Os mais otimistas entre eles dizem: “Nada vai mudar, não importa se vença ou rinoceronte chamado Cacareco (os mais jovenzinhos não sabem do que se trata) ou um palhaço Tiririca, a coisa é sempre a mesma”.  Sou daqueles que não pensam assim: um governo competente faz muita diferença; representantes corruptos fazem muita diferença; interesse pelo seu povo faz muita diferença, quando supera o interesse próprio. Mas, tudo isso quem decide é o povo, democraticamente. Esse faz surgir uma fada na floresta surpreendendo a todos com a sua força, e revelando que não há indiferença mas desejo de melhoria. Pois entre nós anda também a Dama Democracia. Por causa dela é preciso que algo mude, sim, a cada nova eleição. Não importa que lado venceu, ou vencerá um segundo turno, muita coisa tem de mudar – menos o que estava bom. Isso só tem mesmo é de melhorar  ainda mais. Que haja punição muito mais dura para os bandoleiros públicos e desapareçam as eminências pardas que – regiamente pagas –continuaram comandando o espetáculo lá dos bastidores. Que despossuídos e privilegiados, descendentes de africanos, orientais, árabes ou europeus, recebam a mesma atenção e respeito: todos juntos construíram e mantém esse país.Que a gente possa confiar nas instituições, e nunca mais um tribunal supremo hesite, diga e se contradiga, e nos deixe perplexos à espera das decisões e sabedoria nessa última instancia em que podíamos confiar num universo de tanta desconfiança fundamentada. Que sejam banidas em definitivo quaisquer ameaças à nossa liberdade, começando pela imprensa, esteio de qualquer democracia, expressão livre do pensamento para todos do padeiro ao senador. Que os fantasmas de pesadelo que rondam periodicamente desapareçam para todo o sempre, amém.

FONTE: LUFT, Lya. Revista Veja, Edição 2.186, Editora Abril. São Paulo - SP. página 26. 13.10.2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário