segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Para inglês ver: o veto à proposta de criação de novos municípios



Em nome da obsessão fiscal, o surgimento de novos municípios está e continua congelado há 17 anos. Ministério da Fazenda orientou veto à proposta.
Antonio Lassance

A Presidência da República vetou, e com uma justificativa bastante "econômica" - em todos os sentidos -, todo o projeto de lei que regulamentaria a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios no Brasil.

Em nome da obsessão fiscal, o surgimento de novos municípios está e continua congelado há 17 anos. O interessante é que o mantra fiscalista, por um lado, é extremamente zeloso com relação à elevação de gastos sociais e de custeio da máquina administrativa, mas tem menos parcimônia quando o assunto é pagamento de juros, refinanciamento de dívidas a empresas multinacionais, cobrança de impostos sobre jatinhos e helicópteros e taxação sobre transações financeiras internacionais.

A mensagem de veto diz que, ouvido o Ministério da Fazenda, este manifestou-se contrariamente porque o projeto permitiria “a expansão expressiva" [sic] "do número de municípios no País, resultando em aumento de despesas com a manutenção de sua estrutura administrativa e representativa. Além disso, esse crescimento de despesas não será acompanhado por receitas equivalentes, o que impactará negativamente a sustentabilidade fiscal e a estabilidade macroeconômica. Por fim, haverá maior pulverização na repartição dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), o que prejudicará principalmente os municípios menores e com maiores dificuldades financeiras.”

A tal "expansão expressiva" seria, no máximo, de 5% de novos municípios. Considerando que faz duas décadas que o Brasil praticamente não cria municípios, alguém precisa informar ao nosso ministro desenvolvimentista da Fazenda que o país mudou, e bastante, em termos demográficos e socioeconômicos, em todas as regiões do País.

O que o Brasil transfere aos municípios anualmente é bem menos do que faz com o pagamento de dívida ao mercado financeiro. A transferência obrigatória a Estados e Municípios não chega a 9,5% do orçamento, bem menos do que os 34,5% gastos com amortização da dívida. Seja com 200 ou 300 municípios a mais (se muito), o FPM continuará o mesmo, pois ele não cresce conforme o número de municípios, e sim de acordo com a arrecadação de impostos. Na realidade, cada município teria que gastar menos com despesas administrativas e de custeio, pelos próprios limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Detalhe: o projeto não manda criar município. Apenas diz quais são as regras para fazê-lo, entre elas, uma essencial: a de que os municípios novos precisam ter um número mínimo de habitantes. Antes, na ausência de requisitos desse tipo, o Brasil já criou municípios de 800 habitantes. Se tais critérios existissem anteriormente, teríamos uns mil municípios a menos.

No Congresso, a proposta foi amplamente apoiada por todos os partidos, dos governistas aos oposicionistas. Na Câmara dos Deputados e no Senado, os votos favoráveis seriam suficientes até para aprovar uma emenda constitucional sobre o assunto. Em 30 dias, o Congresso vai apreciar e, provavelmente, derrubar o veto.

Apesar do desgaste político, o que pesou mesmo no veto foi o discurso feito sob medida para agradar a Ebenezer Scrooge, o personagem avarento do conto de Natal de Charles Dickens e que bem personifica as vozes que ouvimos, rotineiramente, do "espírito" do mercado. Isso é muito importante. Afinal, o Natal está chegando e, nessa época, os nervos do Sr. Scrooge ficam à flor da pele. Ele não entende patavina de federalismo e torce o nariz para políticas sociais.

O Sr. Scrooge ainda não leu o Diário Oficial de hoje porque está deveras ocupado saboreando o Financial Times e a The Economist desta semana. De todo modo, quando alguém lhe der a notícia, resmungará que o governo não fez mais que sua obrigação: a de dizer "não". Afinal, é para isso que serve o Estado.
Em época de "terrorismo fiscal", como se fala pelos corredores de Brasília, a Fazenda se intimidou e teve uma recaída em sua Síndrome de Estocolmo. Mais uma para a coleção.

(*) Antonio Lassance é Doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília.

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