segunda-feira, 29 de outubro de 2012

LIA LUFT: Os que não votaram


As notícias de todos os lados me dizem que o numero de brasileiros que ao votaram, isto é, abstenções ou votos nulos, cresceu grandemente, chegando a 25% dos eleitores. Nestes dias tumultuados de novidades – com a atenção daqueles que pensam e observam presa no Supremo, que salva algo da nossa moral e dignidade, ou com o brevíssimo espreitar no segundo turno das eleições, com seu jogo nada original de busca de poder -, fiquei refletindo sobre a razão dessa abstenção, pois a votação é obrigatória, coisa que, aliás, considero erro e atraso. Se não tivermos liberdade de eleger nossos lideres, representantes, governantes, não deveriam nos forçar, ou recorreremos à abstenção.

Quanto a ela, vejo dois motivos possíveis. Primeiro descrença e desalento. a proliferação de partidos e o troca troca de legendas, além das fusões, alianças e conluios, nos desorientam e desestimulam, afinal quem é quem nessa sopa de letrinhas, quem tem projetos, que linha, que espinha dorsal, que conduta e quais são originais, reais e vão ser executadas? Os inimigos figadais aqui e ali dançam um minueto, antigos aliados hoje cruzam punhais em duelos estranhos ou cômicos, figuras inusitadas ou velhíssimos figurões desfilam, mas a gente não sabe direito a que vieram ou como voltaram aos palcos. Em segundo lugar, talvez falte interesse em saber, em deslindar, em escolher ou decidir. Ou melhor, os interesses e as seduções são outros. Não nos abalam corrupção, falta de ética, despreparo, improvisações, o extraordinário nivelamento por baixo nossas universidades, agora com o aumento das cotas, que nos farão descer ainda mais na posição entre as piores do mundo. Muito mais do que melhorar o país, queremos consumir. Estamos pouco exigentes: com crédito alargado queremos comprar. Podemos e devemos consumir, nos dizem de muitos modos, podemos comprar qualquer coisa quase a perder de vista (grave engano), comprar é muito mais divertido do que observar, analisar, escolher e, por exemplo, votar nas eleições. Tanta coisa original correndo por aí, como, por exemplo, meninas que vendem sua virgindade pela internet, e não é para comprar comida para os irmãozinhos menores, amparar a velha mãe, ou pagar a faculdade. Ambicionamos o que na verdade são bugigangas, que se trocadas por uma atenção maior com a realidade do país e tantas carências que nos assolam, poderíamos transformar nossa paisagem. (Claro que também tenho meus aparelhos, universo eletrônico é imprescindível, mas não sei se por eles trocaria algo que acho sério.

Não critico os milhões que se abstiveram ou votaram em branco, que aqui chamo, quem sabe injustamente (detesto rótulos, mas as vezes são necessários), de descrentes ou mesmo fúteis. Critico, embora sem resultado, eu sei, o sistema que nos tona conformados, que no dão pó e circo em lugar de uma boa educação e preparo para bom cargos e funções. Critico a nossa sonolência e os encantamentos alienantes como poder comprar, comprar, comprar. E confesso que muitas vezes também me perseguem sedutores fantasmas d esquecimento, omissão e fuga de me recolher à nossa casinha no mato e lá ficar apenas contemplando a natureza, escrevendo, saboreando afetos, sabendo que minha interferência seria um eco frágil perdido num imenso vazio de desinteresse.  Também a mim espreita em alguns das com seus olhinhos marotos a idéia inescrupulosa: um voto, mais um voto, mais um voto – que acabam valendo mai do que nosso fascinante objeto de desejo -, as coisas podem se transformar.nem todo mundo é cego, surdo, mudo, ignorante ou conformado. Olhando bem, veremos que algumas coisas quase majestosas se movam no país. Quem sabe até vai-se mover até mesmo a montanha de nosso desencanto.
Fonte: LUFT, Lya. Os que não votaram. Revista VEJA. Edição 2292. ano 45. nº 43. 24 de outubro de 2012. pag. 30. Editora Abril.  SãoPaulo.

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