As notícias de todos os lados me dizem que o numero de
brasileiros que ao votaram, isto é, abstenções ou votos nulos, cresceu
grandemente, chegando a 25% dos eleitores. Nestes dias tumultuados de novidades
– com a atenção daqueles que pensam e observam presa no Supremo, que salva algo
da nossa moral e dignidade, ou com o brevíssimo espreitar no segundo turno das
eleições, com seu jogo nada original de busca de poder -, fiquei refletindo
sobre a razão dessa abstenção, pois a votação é obrigatória, coisa que, aliás,
considero erro e atraso. Se não tivermos liberdade de eleger nossos lideres,
representantes, governantes, não deveriam nos forçar, ou recorreremos à
abstenção.
Quanto a ela, vejo dois motivos possíveis. Primeiro descrença
e desalento. a proliferação de partidos e o troca troca de legendas, além das
fusões, alianças e conluios, nos desorientam e desestimulam, afinal quem é quem
nessa sopa de letrinhas, quem tem projetos, que linha, que espinha dorsal, que
conduta e quais são originais, reais e vão ser executadas? Os inimigos figadais
aqui e ali dançam um minueto, antigos aliados hoje cruzam punhais em duelos
estranhos ou cômicos, figuras inusitadas ou velhíssimos figurões desfilam, mas
a gente não sabe direito a que vieram ou como voltaram aos palcos. Em segundo
lugar, talvez falte interesse em saber, em deslindar, em escolher ou decidir. Ou
melhor, os interesses e as seduções são outros. Não nos abalam corrupção, falta
de ética, despreparo, improvisações, o extraordinário nivelamento por baixo
nossas universidades, agora com o aumento das cotas, que nos farão descer ainda
mais na posição entre as piores do mundo. Muito mais do que melhorar o país,
queremos consumir. Estamos pouco exigentes: com crédito alargado queremos comprar.
Podemos e devemos consumir, nos dizem de muitos modos, podemos comprar qualquer
coisa quase a perder de vista (grave engano), comprar é muito mais divertido do
que observar, analisar, escolher e, por exemplo, votar nas eleições. Tanta coisa
original correndo por aí, como, por exemplo, meninas que vendem sua virgindade pela
internet, e não é para comprar comida para os irmãozinhos menores, amparar a
velha mãe, ou pagar a faculdade. Ambicionamos o que na verdade são bugigangas,
que se trocadas por uma atenção maior com a realidade do país e tantas carências
que nos assolam, poderíamos transformar nossa paisagem. (Claro que também tenho
meus aparelhos, universo eletrônico é imprescindível, mas não sei se por eles
trocaria algo que acho sério.
Não critico os milhões que se abstiveram ou votaram em
branco, que aqui chamo, quem sabe injustamente (detesto rótulos, mas as vezes
são necessários), de descrentes ou mesmo fúteis. Critico, embora sem resultado,
eu sei, o sistema que nos tona conformados, que no dão pó e circo em lugar de
uma boa educação e preparo para bom cargos e funções. Critico a nossa sonolência
e os encantamentos alienantes como poder comprar, comprar, comprar. E confesso
que muitas vezes também me perseguem sedutores fantasmas d esquecimento,
omissão e fuga de me recolher à nossa casinha no mato e lá ficar apenas
contemplando a natureza, escrevendo, saboreando afetos, sabendo que minha interferência
seria um eco frágil perdido num imenso vazio de desinteresse. Também a mim espreita em alguns das com seus
olhinhos marotos a idéia inescrupulosa: um voto, mais um voto, mais um voto –
que acabam valendo mai do que nosso fascinante objeto de desejo -, as coisas
podem se transformar.nem todo mundo é cego, surdo, mudo, ignorante ou
conformado. Olhando bem, veremos que algumas coisas quase majestosas se movam
no país. Quem sabe até vai-se mover até mesmo a montanha de nosso desencanto.
Fonte: LUFT, Lya. Os que não votaram. Revista VEJA. Edição 2292. ano 45. nº 43. 24 de outubro de 2012. pag. 30. Editora Abril. SãoPaulo.
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