Por Alexandre Camanho
O julgamento do mensalão emancipou-se – em diversos aspectos – da
jurisprudência indulgente com agentes públicos corruptos. Reconciliou a leitura
da Constituição com a República.
Ora, juntamente com outros instrumentos recentes – como a Lei da Ficha
Limpa – , o devido rigor que o Supremo dispensou aos crimes praticados pelos
mensaleiros arejou um sistema político eleitoral até então desgastado e
descompassado dos reclamos sociais, notadamente os relacionados ao
desenvolvimento do país e ao combate à corrupção que o degenera.
O povo elege seus representantes e não pode se ver refém de uma
confiança traída: é preciso que haja efetiva resposta à crescente
“marginalização” dos agentes públicos.
Nesse rumo, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento definitivo de
que a perda do mandato de parlamentar condenado por crime contra a
administração pública, no foro privilegiado do Supremo, não depende de decisão
do Plenário da Casa do Congresso em que o parlamentar exerça o mandato popular.
É dizer: a perda do mandato é consequência automática da suspensão dos direitos
políticos por condenação criminal transitada em julgado.
A discussão orbitava os artigos 15-III (“É vedada a cassação de direitos
políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: III – condenação
criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos”) e 55-IV
(“Perderá o mandato o Deputado ou Senador: IV – que perder ou tiver suspensos
os direitos políticos”) da Constituição.
Ora, se é certo que a Constituição permite-se licitamente interpretar
por qualquer cidadão, instância pública ou segmento privado, não menos certo é
que ao Supremo cabe de forma vinculante ditar exegese sobre matéria
constitucional, cabendo à Câmara ou ao Senado um “provimento meramente
declaratório” para cassar o mandato do parlamentar condenado por crime contra a
administração pública, uma vez que a condenação criminal por si opera a
restrição dos direitos políticos.
Não há que se falar, portanto, em afronta ao postulado da Separação dos
Poderes, mas sim em cumprimento do quanto estabelece a Constituição em matéria
de ética e moralidade política, segundo a inquestionável deliberação do
Supremo.
Como ponderou o ministro Gilmar Mendes, “do ponto de vista lógico, eu
sequer consigo entender que nós aceitemos como válida a aplicação da Lei de
Improbidade e da Lei da Ficha Limpa, que reforça a ideia da inelegibilidade, e
consideremos hígido o mandato de um deputado preso com trânsito em julgado no
exercício do mandato”.
O condenado por crime contra a administração pública perde seu direito
de ser visto como representante do povo, justamente porque inverteu a
supremacia dos interesses que deveria defender – o privado preponderou ao
público.
* Alexandre Camanho
é Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, ANPR. Há vinte
anos no Ministério Público Federal, trabalhou na força tarefa do caso PC-Collor
e compôs o grupo de trabalho do órgão para combate à lavagem de dinheiro.
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