domingo, 5 de setembro de 2010

PLATAFORMA CONTRA AS FOMES



            Somos um país de famintos e boa plataforma para candidatos seria atender a esse nosso estado de desnutrição, física ou emocional. Se pensamos na fome física, vemos as crianças comendo lixo ou a tradicional farinha com água, quando tem água. Esse podia ser o primeiro desejo de qualquer candidato a governante.: cuidar da sua gente, não só nas tragédias como inundações e secas, mas na doença ou falta de tudo, de alimento a educação. O dever de um governo, e seu desejo ardente, deve ser atender o povo (que atenção, são todos os brasileiros). Mas não vamos esquecer as carências da alma, as fomes da nossa condição humana, eventualmente mais duras e mortais do que aquela que faz doer o estomago. Eles tem a ver com mais do que feijão: ligam-se à segurança, saúde, confiança, educação. Narcotráfico derrotado. Juventude mais motivada.
            Várias fomes cabem no conceito justiça, segurança, confiança e dignidade. Para sermos dignos, precisamos ter certeza de que precisa para tanto, começando com as leis sensatas, bem executadas bem executadas e aplicadas a todos. Culminado com todos terem aquilo que precisam para que sua vida não se reduza a uma mera sobrevivência. E o que seria justiça? Dar todos a mesma coisa, e ver como cada um lida com o que recebeu? A cada um conforme suas limitações naturais, mais inteligente, mais talentoso, menos saudável, mais neurótico? Ou ainda: a cada a um segundo suas necessidades?  Nunca haverá um conceito universalmente aceito, mas querermos justiça já é um começo. Punições adequadas para os infratores, e interesses pelas vítimas e suas famílias.
            Há trinta e poucos anos, meus filhos jogavam bola no bairro onde ainda moro com a meninada da vila próxima até o escurecer, e ninguém se preocupava. Eram amigos: pobres e remediados, brancos, negros e pardos, os filhos do verdureiro ou do professor. Bandos de jovens drogados não vagavam nas ruas, crianças pedintes não rolavam nas esquinas, as casas não tinham cerca. Hoje, se eu morasse em uma casa, seria possivelmente num condomínio bem protegido. Pois, nesta Idade Média higiênica e sofisticada, os feudos são os edifícios e os condomínios fechados, guardas nas cabines, bandidagem rondando. Séculos atrás, eram os miseráveis que se instalavam em torno dos castelos onde recolhiam esmolas ou prestavam pequenos serviços; ou extensão populações igualmente miseráveis em torno das gigantescas catedrais erguidas em séculos de labuta mortal. (O senhor feudal de hoje pode ser o morador mais rico, ou quem sabe o síndico, interessado em que as coisas se mantenham nun nível aceitável de funcionamento, civilidade, educação).
            Doentes de medo, desviamos o olhar da realidade: “Faz de conta que isso nunca vai me atingir”. Mas no fundo queremos proteção de uma policia eficaz, porque nos cansamos de ser caçados e mortos pelos marginais, feitos bichos desprotegidos. Há quem reclame: os policiais ao menos deveriam cuidar do lugar onde vão atingir os facínoras. “Quem sabe um tiro no braço ou no pé?”. Imaginei o policial com o revolverzinho mirando o bandido que segura um fuzil de última geração, e pedindo. Licença, moço, vou dar só um tirinho no seu pé.  Também não queremos conviver mais com a miséria e a falta de tudo que muitas vezes produzem a violência. Isso também é justiça.
            Animais predadores na selva pós-moderna, não se iludam os que se julgam bonitos e limpos, bons e especiais, a salvo das dores do mundinho que sonha com o prato de cada dia, o salário justo, a vida atendida. Ainda estamos nas cavernas, apesar do vidro fumê e dos controles remotos, com fome de tudo o que é merecido, desejável, necessário e deveria ser mais do que natural, para qualquer cidadão deste belo, cruel, confuso e fascinante planeta-pais que ainda precisamos conquistar.
LUFT, Lya. Revista Veja, pagina 26, 18.08.2010.

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